Quando eu nasci, morei numa casinha de
madeira que não tinha cor nas paredes. As paredes eram de madeira escura sem
tinta, e o chão de madeira que brilhava. Lá naquela casinha eu cresci,
brinquei, aprendi. Tínhamos móveis antigos, madeira “de lei”, fogão a lenha,
cama de mola, cobertores de lã de ovelha. Tinha quintal, horta, galinheiro,
paiol, árvores, frutas, flores, cores.
Meu quarto era ao lado do quarto da
minha mãe, e para ela ir ao dela, tinha que passar por dentro do meu. Não era muito
privativo meu lugar de dormir.
Há muitos detalhes do meu lugar,
guardados na minha memória, e também muitas lembranças das dificuldades e dos
medos enfrentados. Não foi uma infância e adolescência fácil, precisei
enfrentar muitos temores e muitas ausências. Mas foi um tempo alegre e cheio de
vida, cheio de liberdade, de aventuras, de momentos lindos, de crescimento.
Aprendi a ser forte.
Nunca me faltou nada. Mas também nunca
tive tudo. Era uma vida simples e ao mesmo tempo farta de muitas coisas. Todos
os sábados jantávamos pizza caseira feita pela minha mãe, para mim aquela
sempre será a melhor pizza do mundo. Adorava nossas noites em volta do
fogão a lenha, comendo pinhão e amendoim torrados na chapa do fogão.
Na adolescência surgiram os primeiros
gritos na minha mente, as minhas primeiras dúvidas. Quem eu sou afinal? O que
sinto? O que eu quero? Eu não conseguia distinguir meus sentimentos. E é claro
que eu não sabia responder tantas questões, fiquei perdida muito tempo, sem
entender todas as coisas que vagavam na minha cabeça... Aceitei o que veio,
porque era o que parecia certo. Embora muitas vezes me questionando, muitas
vezes me fechando no meu universo.
Meu conflito me machucava e também
machucou muita gente pelo caminho. Há processos que não são tão fáceis.
Demorei muitos anos para aceitar as
coisas da minha alma... E só aos 24 anos eu consegui aceitar que eu não era
aquela pessoa que sempre tentei ser. Precisei me libertar, foi duro demais e no
primeiro momento eu até fui corajosa. Mas junto da minha coragem, veio uma avalanche
de dor: a rejeição das pessoas que eu mais amava. Rejeição, humilhação e muitos
dias de dor e solidão. Seguido por um longo período de medo e incerteza.
E nesse período, é claro, tomei decisões
certas e erradas. Precisei me afastar das pessoas mais importantes da minha
vida. Me apeguei onde me senti acolhida. Errei tentando acertar. Acertei de
todo modo, do jeito que eu podia conduzir naquele momento. Fiz tudo certo e
tudo errado.
Tempos depois quando consegui reconstruir
aquele espaço. Ele se desfez novamente, por outros motivos. E veio tudo de
novo, medo, rejeição, ataques, manipulação psicológica. Não é fácil quando as
pessoas que deveriam te apoiar, são as que te “ferem”.
Demorou um bom tempo até eu conseguir
resolver a minha vida outra vez. Parecia que eu sempre tinha que lutar.
Enquanto ninguém precisava fazer nenhum esforço. Mas eu sei que cada um lutou sua
batalha interna.
E assim eu tive que me moldar, tive que
me renovar, tive que reconstruir laços...
Quando eu era mais jovem, não pensava
muito nas consequências das minhas atitudes, eu apenas fazia o que o tinha
vontade e muitas vezes colocava minhas decisões a força na cara das pessoas.
Nunca ajuizava se ia ferir alguém. Eu era impulsiva e inconsequente. Não tinha
paciência de amadurecer as coisas. Queria tudo para ontem. Tinha pressa demais.
E na pressa perdi muitos momentos importantes, não sabia desfrutar... e destruí
muitas coisas.
Então eu entendi que eu teria que mudar
o jeito de fazer as coisas. Aprendi a ter calma. A construir tudo com tempo e
paciência. Aprendi a me respeitar também, respeitar meu tempo, me aceitar do
meu jeito. Aprendi a não ter pressa pelo futuro, e a viver o presente, afinal o
futuro é incerto demais. Se você não tem um presente feliz, não tem como
construir um futuro bom.
Mesmo que pareça errado. Eu construí a
minha vida e conquistei meu espaço de respeito, “respeitando” também, sem ser
fanfarrona. Entendi que posso mudar as coisas aos poucos, que posso construir
um ambiente de confiança e criar um lugar para o que quero viver, sem precisar
empurrar goela abaixo de ninguém. Sem precisar sair chutando tudo como uma menina
imprudente.
Eu me dediquei muito para chegar onde
eu cheguei. Para criar meus espaços. Para ser vista com seriedade. Eu me
esforcei muito, pois de onde eu vim, do ambiente que eu vim, eu precisava me
esforçar. E eu fiz o meu o melhor, dentro das minhas possibilidades, com as
ferramentas que eu tinha. Dentro do meu universo, com as minhas “armas”, meu
conhecimento e minha experiência... eu aprendi a lutar.
Eu sei como é estar no meu lugar de
fala. Eu sei como conduzir as coisas dentro do meu espaço. Como caminhar dentro
do meu planeta. Eu aprendi a conduzir o meu barco. Dentro da minha
história, dos meus cenários, das minhas emoções, dos meus enfrentamentos… fazendo
o que posso fazer, do modo que eu consigo fazer.
Eu também abri mão de mim muitas vezes
nessa vida. Eu também fiz esforços brutais e acolhi coisas que jamais pensei
que aceitaria em outras circunstâncias. Eu também me pus vulnerável. Eu também
senti o peso do afastamento. Eu também voltei atrás, relevei, ignorei minhas feridas
emocionais, pedi perdão por situações que nem tinha criado, e também meti os
pés pelas mãos. Ajuizar de fora, como se fosse fácil estar do lado de cá, é
injusto...
Eu sei como é ruim sentir dor. Pois na
minha história, muitas vezes eu também tive meu peito rasgado. E é por
essa razão que hoje eu escolho minha paz.
Se para fazer alguém feliz eu tiver que
ferir a mim, ferir meus contornos, me prejudicar e destruir tudo o que eu levei
tempo para construir, eu prefiro me retirar. Se para fazer alguém feliz eu
tiver que magoar as pessoas mais importantes da minha vida, ou se eu tiver que
ficar entre a cruz e a espada, eu não ficarei.
Porque eu já fui machucada muitas vezes
nessa estrada. E eu também machuquei muita gente sem necessidade. Minhas
inconsequências e minha ansiedade em querer atropelar tudo, já me colocaram em
situações ruins.
Só permanecerei onde eu sentir paz de
espírito. Só estarei onde eu puder ser eu mesma, onde me sinta confortável de ser
vulnerável. Onde meu silêncio e as minhas dores sejam acolhidos e não sejam
usados de arma contra mim. Onde exista paciência para lidar com as minhas
dificuldades e acolhimento para meus receios. Onde eu me sinta abraçada, em um
ambiente seguro, para que os obstáculos sejam vencidos pouco a pouco.
Só ficarei onde meu coração, minhas dores
e meu espaço sejam respeitados. A vida não precisa ser tão pesada. Aprendi
que viver com leveza é o melhor caminho para a felicidade.
Eu tenho uma certeza, depois de tantas
batalhas: a gente não muda o mundo, o mundo muda a gente. E a gente não derruba
barreiras com violência e desespero, a gente supera elas com carinho, com
cuidado, com paciência.
Tenho certeza que nesse universo IMENSO existe um lugar de acolhimento. Existe um lugar de compreensão
e paz. Existe um lugar onde eu poderei ser eu mesma, onde minha história, minha
trajetória, meu legado, serão respeitados.
Serei feliz, porque sei que existe um
espaço nesse mundão onde meus defeitos e medos não serão vistos como fracassos,
onde minha insegurança não será subestimada e sim abraçada com ternura e carinho.
O amor é bonito e eu carrego ele dentro
de mim. O amor sempre foi a força que me moveu. Sempre será. Mas eu descobri
que amor é calmaria, é um lugar onde você poderá repousar em paz e se sentir em
casa. Com a tranquilidade de ser frágil e de ser imperfeito.
Serei feliz! E Sou!
Carol Brunel
“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor”
Nenhum comentário:
Postar um comentário