Na sala da frente havia mais
dois sofás, um de três e outro de dois lugares. Foram encapados duas vezes,
primeiro com um tecido floral meio bordô, depois com um tecido mais grosso com
formas geométricas coloridas, na cores: amarelo, vermelho e azul. Nessa sala
também tinha uma mesa de madeira com vidro no meio que ficava entre os sofás. Tinha ainda uma mesinha
para o telefone.
Era ali onde, na adolescência, eu
passava muitas tardes falando por horas no telefone com a minha melhor amiga do
colégio. Não faço ideia de como tínhamos tanto assunto, mas era imensamente prazeroso
deitar no sofá, até onde o fio do telefone alcançava e ficar conversando com
ela.
A casa tinha três quartos, o meu
era o do meio, mas como não tinha corredor, para chegar no quarto da mãe ela
passava sempre pelo meu.
No meu quarto tinha uma
penteadeira de madeira antiga, uma madeira escura, grossa e pesada, com duas
portas e um espelho que eu enchia de colagens de revista, sobrando pouco espaço
para me olhar. Nas portas eu guardava meu material da escola, cadernos e
livros. Na minha época a mãe tinha que comprar livros para eu poder estudar, ao
invés de apostilas como hoje. Eu ainda tenho alguns deles, especialmente os de português
e história, que eram os meus favoritos.
Tinha ainda um roupeiro de três
portas, também de madeira antiga e pesada, e uma cama de madeira no mesmo material do roupeiro, que mais à
frente foi substituída por uma cama de cabeceira de metal na cor rosa. Eu nunca
gostei muito de rosa, mas a minha bicicleta também era rosa. Uma Caloi que a mãe comprou em uma loja de bicicletas usadas, era freio de pé, eu fazia loucuras com aquela "bike".
No vidro da janela milhares de
adesivos de surf, música e outras coisas que eu ganhava. Ali eu também passava horas na adolescência, deitada na cama, ouvindo música (quase sempre
legião urbana) em um som que já tocava CD (minha irmã havia trazido da sua
viagem para o Paraguai).
Na cozinha, lembro da geladeira
vermelha da Consul e dos armários todos vermelhos combinando com a geladeira...
e o fogão a lenha. Onde a minha mãe fazia as melhores comidas do mundo. No inverno era onde passávamos a maior parte do tempo, se aquecendo e comendo amendoim com casca que a mãe colocava em cima do fogão para torrar.
Ao
lado da cozinha tinha o quarto da “costura”, onde ficava a máquina de costura que foi da minha avó, a mãe da mãe. Era praticamente o quarto da bagunça, tudo que não se
usava mais ficava lá atulhado naquele quarto. Além da mesa de passar roupas. Onde
minha irmã passava as tardes de sábado... passando roupas. O ferro era um antigo, pesado, cromado com preto e uns detalhes vermelhos.
E depois tinha um banheirinho,
pequeno que mal cabia duas pessoas, com uns pisos e azulejos quadradinhos, antigos, com umas formas
abstratas que levavam minha imaginação de criança longe. Eu via bonecos,
cachorros, girafas, entre outros bichos. Era quase como olhar as nuvens e ver
formas. Não havia separação entre o chuveiro e restante. Então quando a gente tomava banho molhava o banheiro
todo e a regra era: secar o banheiro com um pano no final do banho. A louças
eram na cor marrom escuro e tinha só um espelhinho pendurado na parede acima da
pia, pendurado em um prego. Eu nem conseguia me ver nele.
O chão da casa era de madeira... E minha
mãe fazia ele brilhar. Encerava com uma cera vermelha e depois passava
enceradeira, por último um pano de Lã que deixava a madeira brilhando... e
escorregadia também. Volta e meia algum vizinho ou parente levada um tombo.
O quintal, era enorme. Nos
fundos da casa havia um paiol de madeira meio torto, também sem pintura, antigo
galinheiro da minha avó. Ali eu e um primo escondemos e alimentamos um gatinho
magro de rabo quebrado que apareceu no cercado, até nossas mães descobrirem,
mas o gatinho acabou ficando. Havia um outro paiol de tijolo, eu não lembro se
foi construído depois, mas lá era onde ficava o “cocho” de lavar roupas. Era assim
que a gente chamava.
Tínhamos três árvores grandes,
uma figueira, um pé de chorão e mais uma árvore que desconheço o nome. Nessa
última era onde eu e meus primos brincávamos de aeronave. A gente pregava tampa
de margarina (os potes eram redondos) e tampa de lata de cera, para fingir que
era o volante da aeronave. Cada um tinha seu galho. A gente passava horas lá no
alto brincando de avião, até enjoar e achar outra brincadeira. Quase sempre futebol,
esconder, pegar, alerta...
Morei nessa casa, no mesmo lugar,
por 24 anos da minha vida. E é claro que a casa passou por um bocado de transformações
com o tempo. Especialmente de cores. Reformas, grades. Etc.
Até que a mãe resolveu "vender" e fomos morar no centro. Apartamento. Tudo diferente. Uau!
Até que a mãe resolveu "vender" e fomos morar no centro. Apartamento. Tudo diferente. Uau!
Mas foi lá, na casa simplesinha,
naquele bairro, naquele lugar.... Que eu vivi os melhores momentos que uma
infância pode ter. Que eu brinquei das brincadeiras mais legais e que aprendi
que não é preciso de muito para ser feliz. Com um pedaço de madeira eu fazia
minha espada, com uns tijolos velhos eu fazia “a minha cidade”. Com uma lata eu fazia minha arte.
Era lá que eu subia na árvore no
fim de tarde para ver o sol se pôr. Era lá que eu sentava na janela da cozinha
nas tardes frias e ficava olhando a chuva cair no quintal, que tinha uma grama
verde sem igual.
Foi lá que eu aprendi que nos
momentos mais simples da vida é onde mora a felicidade. Foi lá que eu me
apaixonei pela natureza, pelos detalhes, pela simplicidade. Foi lá que eu
aprendi que "o material" não vale mais do que ter um coração que sente, do que
ter um olhar que olha verdadeiramente, do que ter abraço, do que ter carinho,
do que ter amor.
Não me faltou nada na minha
infância simples. Aliás me sobrou muito... muita essência, muitas histórias,
muita brincadeira, muita bagunça, muita arte, muita sorte e muita força!
FIM
Carol Brunel
27/10/2016
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