quinta-feira, 27 de outubro de 2016

DA SÉRIE: Saudades de mim!

Sempre que falo da minha infância, simples e humilde, sinto um tanto de nostalgia. Lembro da casa de madeira com as paredes sem pintura...  Do sofá que tinha os braços de madeira com uma espécie de couro preto que com o tempo ficou todo rasgado, aparecendo a fina camada de espuma. Lembro também de quando ele foi encapado com material tipo couro na cor verde. Esse ficava na sala de TV, a TV já era colorida, mas não tinha controle remoto e sim um botão de girar para trocar de canal e outro para o volume. 

Na sala da frente havia mais dois sofás, um de três e outro de dois lugares. Foram encapados duas vezes, primeiro com um tecido floral meio bordô, depois com um tecido mais grosso com formas geométricas coloridas, na cores: amarelo, vermelho e azul. Nessa sala também tinha uma mesa de madeira com vidro no meio que ficava entre os sofás. Tinha ainda uma mesinha para o telefone.

Era ali onde, na adolescência, eu passava muitas tardes falando por horas no telefone com a minha melhor amiga do colégio. Não faço ideia de como tínhamos tanto assunto, mas era imensamente prazeroso deitar no sofá, até onde o fio do telefone alcançava e ficar conversando com ela.
A casa tinha três quartos, o meu era o do meio, mas como não tinha corredor, para chegar no quarto da mãe ela passava sempre pelo meu.

No meu quarto tinha uma penteadeira de madeira antiga, uma madeira escura, grossa e pesada, com duas portas e um espelho que eu enchia de colagens de revista, sobrando pouco espaço para me olhar. Nas portas eu guardava meu material da escola, cadernos e livros. Na minha época a mãe tinha que comprar livros para eu poder estudar, ao invés de apostilas como hoje. Eu ainda tenho alguns deles, especialmente os de português e história, que eram os meus favoritos.

Tinha ainda um roupeiro de três portas, também de madeira antiga e pesada, e uma cama de madeira no mesmo material do roupeiro, que mais à frente foi substituída por uma cama de cabeceira de metal na cor rosa. Eu nunca gostei muito de rosa, mas a minha bicicleta também era rosa. Uma Caloi que a mãe comprou em uma loja de bicicletas usadas, era freio de pé, eu fazia loucuras com aquela "bike".

No vidro da janela milhares de adesivos de surf, música e outras coisas que eu ganhava. Ali eu também passava horas na adolescência, deitada na cama, ouvindo música (quase sempre legião urbana) em um som que já tocava CD (minha irmã havia trazido da sua viagem para o Paraguai).

Na cozinha, lembro da geladeira vermelha da Consul e dos armários todos vermelhos combinando com a geladeira... e o fogão a lenha. Onde a minha mãe fazia as melhores comidas do mundo. No inverno era onde passávamos a maior parte do tempo, se aquecendo e comendo amendoim com casca que a mãe colocava em cima do fogão para torrar. 

Ao lado da cozinha tinha o quarto da “costura”, onde ficava a máquina de costura que foi da minha avó, a mãe da mãe. Era praticamente o quarto da bagunça, tudo que não se usava mais ficava lá atulhado naquele quarto. Além da mesa de passar roupas. Onde minha irmã passava as tardes de sábado... passando roupas. O ferro era um antigo, pesado, cromado com preto e uns detalhes vermelhos.

E depois tinha um banheirinho, pequeno que mal cabia duas pessoas, com uns pisos e azulejos quadradinhos, antigos, com umas formas abstratas que levavam minha imaginação de criança longe. Eu via bonecos, cachorros, girafas, entre outros bichos. Era quase como olhar as nuvens e ver formas. Não havia separação entre o chuveiro e restante. Então quando a gente tomava banho molhava o banheiro todo e a regra era: secar o banheiro com um pano no final do banho. A louças eram na cor marrom escuro e tinha só um espelhinho pendurado na parede acima da pia, pendurado em um prego. Eu nem conseguia me ver nele.

O chão da casa era de madeira... E minha mãe fazia ele brilhar. Encerava com uma cera vermelha e depois passava enceradeira, por último um pano de Lã que deixava a madeira brilhando... e escorregadia também. Volta e meia algum vizinho ou parente levada um tombo.

O quintal, era enorme. Nos fundos da casa havia um paiol de madeira meio torto, também sem pintura, antigo galinheiro da minha avó. Ali eu e um primo escondemos e alimentamos um gatinho magro de rabo quebrado que apareceu no cercado, até nossas mães descobrirem, mas o gatinho acabou ficando. Havia um outro paiol de tijolo, eu não lembro se foi construído depois, mas lá era onde ficava o “cocho” de lavar roupas. Era assim que a gente chamava.

Tínhamos três árvores grandes, uma figueira, um pé de chorão e mais uma árvore que desconheço o nome. Nessa última era onde eu e meus primos brincávamos de aeronave. A gente pregava tampa de margarina (os potes eram redondos) e tampa de lata de cera, para fingir que era o volante da aeronave. Cada um tinha seu galho. A gente passava horas lá no alto brincando de avião, até enjoar e achar outra brincadeira. Quase sempre futebol, esconder, pegar, alerta...

Morei nessa casa, no mesmo lugar, por 24 anos da minha vida. E é claro que a casa passou por um bocado de transformações com o tempo. Especialmente de cores. Reformas, grades. Etc.

Até que a mãe resolveu "vender" e fomos morar no centro. Apartamento. Tudo diferente. Uau! 

Mas foi lá, na casa simplesinha, naquele bairro, naquele lugar.... Que eu vivi os melhores momentos que uma infância pode ter. Que eu brinquei das brincadeiras mais legais e que aprendi que não é preciso de muito para ser feliz. Com um pedaço de madeira eu fazia minha espada, com uns tijolos velhos eu fazia “a minha cidade”. Com uma lata eu fazia minha arte. 

Era lá que eu subia na árvore no fim de tarde para ver o sol se pôr. Era lá que eu sentava na janela da cozinha nas tardes frias e ficava olhando a chuva cair no quintal, que tinha uma grama verde sem igual.

Foi lá que eu aprendi que nos momentos mais simples da vida é onde mora a felicidade. Foi lá que eu me apaixonei pela natureza, pelos detalhes, pela simplicidade. Foi lá que eu aprendi que "o material" não vale mais do que ter um coração que sente, do que ter um olhar que olha verdadeiramente, do que ter abraço, do que ter carinho, do que ter amor.

Não me faltou nada na minha infância simples. Aliás me sobrou muito... muita essência, muitas histórias, muita brincadeira, muita bagunça, muita arte, muita sorte e muita força!

FIM
Carol Brunel

27/10/2016 

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